Luiz Gonzaga (Luiz Gonzaga do Nascimento)

Em 1940, no Rio de Janeiro, depois de algum tempo tocando em bares no Mangue e, em seguida, na Lapa, começou a freqüentar os programas de calouros “Calouros em desfile” de Ary Barroso na Rádio Tupi e “Papel carbono” de Renato Murce, na Rádio Clube. O sucesso nos programas de calouros entretanto não chegava e Gonzaga continuou a apresentar-se nos bares do Mangue e da Lapa. No Bar Cidade Nova, no Mangue, conheceu um grupo de estudantes cearenses que lhe pediu para tocar alguma coisa nordestina, o que ele até então não fizera, tentando adaptar-se ao modo de vida carioca e escondendo suas raizes nordestinas. Preparou então as músicas “Pé de serra”, uma polca mais tarde gravada com o título de “Xamego”, e “Vira e mexe”, música de sua terra natal. O sucesso da apresentação de “Pé de serra” foi imediato: o público aplaudiu delirantemente e até mesmo os passantes da rua se aproximaram, lotando o bar. Retornou então ao programa de calouros de Ary Barroso, impulsionado também pela necessidade de dinheiro para ajudar a família vitimada pela seca no Nordeste, conforme lhe dissera o irmão José Januário, que o procurara em busca de ajuda. No “Calouros em desfile”, em vez de apresentar o repertório da moda, apresentou o “Vira e mexe” e foi um sucesso, obtendo a nota máxima 5, raramente dada a alguém por Ary Barroso, e o prêmio de 150 mil réis. Por essa época costumava atuar na Rádio Transmissora acompanhando Zé do Norte e Manuel Monteiro, que por lá se apresentavam. Pouco depois foi convidado para atuar como sanfoneiro numa gravação de Genésio Arruda na RCA. Sua participação foi tão boa que logo após a gravação foi apresentado ao diretor da gravadora, Ernesto Matos, que lhe pediu para tocar uma valsa ou uma rancheira. Gonzaga tocou as valsas “Saudades de São João Del Rey” e “Numa serenata”, apresentando em seguida as rancheiras “Véspera de São João”, “Vira e mexe” e “Pé de serra”. Foi convidado a voltar no dia seguinte para fazer uma gravação. No mesmo dia, Genésio Arruda convidou-o para apresentar-se diariamente no teatro de revista no qual estava atuando. Ainda em 1940 foi contratado pela Rádio Clube do Brasil para substituir Antenógenes Silva no programa “Alma do sertão”, além de atuar em outros programas da rádio. Paralelamente apresentava-se com enorme sucesso em inúmeros dancings no centro da cidade, como “Assírio”, “Eldorado”, “Belas Artes” e “Farolito”. Em 1941 estreou em disco gravando pela Victor, gravadora na qual permaneceu a maior parte de sua carreira. Em maio saiu a mazurca “Véspera de São João”, de sua autoria e F. Reis, e a valsa “Numa serenata”, de sua autoria. Em junho saiu um segundo disco com a valsa “Saudades de São João del Rey”, de Simão Jandi, e o xamego “Vira e mexe”, de sua autoria. Ressalte-se que o xamego nunca existiu enquanto gênero musical; o nome provém de um comentário do irmão de Gonzaga, Januário, segundo o qual a música “Vira e mexe” era um xamego, talvez em referência à sensualidade com que era tocada. Gonzaga apropriou-se do termo e muitas de suas composições passaram a ser apresentadas como xamego. Por essa época suas músicas eram instrumentais. As letras apareceram com Miguel Lima, que começou a letrar temas apresentados por Gonzaga. No entanto, seu início como cantor acabou por custar-lhe o emprego na Rádio Tamoio, pois achavam sua voz inadequada. Por essa época foi considerado pelo jovem radialista César de Alencar como o “Maior Sanfoneiro Nordestino”. Os dois primeiros discos renderam a Gonzaga sua primeira reportagem, publicada na revista carioca “Vitrine”, com o título de “Luiz Gonzaga, o virtuoso do acordeom”. Em 1942 gravou, entre outras composições, o xamego “Pé de serra”, a polca “Apitando na curva”, o picadinho “Calangotango” e a mazurca “Sant’Anna”, todas de sua autoria. Em 1943 assinou o primeiro contrato para atuar fora do Rio de Janeiro, fazendo uma temporada no Cassino Ahu, em Curitiba, apresentado como o maior acordeonista do Brasil. No mesmo ano gravou, do antigo companheiro Xavier Pinheiro, a valsa “Yvonne” e, de sua autoria, o xamego “O xamego da Guiomar”, nome de uma namorada da época. Por essa época ganhou do violonista Dino, mais tarde conhecido como “Sete cordas”, o apelido de “Lua”, devido a sua cara redonda. O apelido seria popularizado por César de Alencar e Paulo Gracindo na Rádio Nacional. Em 1944 teve suas primeiras composições gravadas por outra artista, a cantora Carmem Costa, que gravou “Xamego”, de sua autoria, e “A mulher do Lino”, composta em parceria com Miguel Lima. No mesmo ano gravou, entre outras,o choro “Pingo namorando”, o xamego “Fazendo intriga” e a valsa “Vanda”, todas de sua autoria. Em 1945 teve gravadas suas primeiras parcerias com Miguel Lima, “Dezessete e setecentos” e o xamego “Xamego da Guiomar”, por Manezinho Araújo. No mesmo ano, Gonzaga gravou os primeiros discos como cantor. O primeiro continha a mazurca “Dança da Mariquinha”, com música de sua autoria e letra de Miguel Lima. Seu primeiro sucesso como cantor foi a mazurca “Cortando pano”, composta em parceria com Miguel Lima e J. Portella, que afirmou Gonzaga como cantor. Sua voz na época não era considerada boa, mas, com o sucesso de “Cortando o pano”, os critérios tiveram que ser modificados. No mesmo ano nasceu Luiz Gonzaga Jr., que, apesar de batizado e assumido por Gonzaga como filho, sempre teve essa paternidade colocada sob suspeita. Ainda em 1945 conheceu aquele que seria talvez o seu principal parceiro musical, o advogado cearense Humberto Teixeira. Mesmo com o sucesso obtido com Miguel Lima, Gonzaga continuava procurando alguém que o ajudasse a expressar melhor seu sentimento de nordestinidade. Encontrou-se com Lauro Maia, criador do balanceio, mas não chegou a um acordo. No primeiro encontro com Humberto Teixeira, no escritório de advocacia do mesmo, surgiu em dez minutos o esboço do xote “No meu pé de serra”, lançado em novembro do ano seguinte. Em 1946 lançou diversas composições feitas com parcerias diferentes, como o choro “É pra rir ou não é”, com Carlos Barroso, o calango “Calango da lacraia”, com J. Portella, que se tornou enorme sucesso, a marcha “Pão duro” com Assis Valente e o chamego “Xamego das cabrochas”, com Miguel Lima. No mesmo ano, Gonzaga provocaria uma revolução na música popular brasileira ao lançar um novo gênero no mercado, o baião, uma estilização e adaptação de ritmos ouvidos por ele em sua infância e adolescência. A composição de lançamento, um verdadeiro manifesto do novo gênero, foi “Baião”, feita em parceria com Humberto Teixeira e lançada pelo grupo vocal “Quatro Azes e Um Coringa” pela Odeon, com acompanhamento do próprio Gonzaga na sanfona. O novo gênero mudou o panorama musical brasileiro e impôs-se como o mais importante até o surgimento da Bossa Nova em fins dos anos 1950. Ainda em 1946, Gonzaga lançou, de sua parceria com Humberto Teixeira, o xote “Meu pé de serra”, além da polca “Pagode russo”, de sua autoria. Em outubro do mesmo ano tirou férias na Rádio Nacional e voltou à sua terra natal depois de 16 anos de ausência. Antes de retornar ao Rio passou pelo Recife, onde se encontrou com diversos artistas locais e travou conhecimento com o acadêmico de Medicina José de Souza Dantas Filho, que mais tarde se tornaria famoso parceiro de Gonzaga, conhecido como Zédantas. Em 1947 gravou de sua autoria e Humberto Teixeira a toada “Asa branca”, um de seus maiores sucessos e uma das músicas mais conhecidas e veneradas da música popular brasileira, regravada dezenas de vezes ao longo das décadas, entre outros por Altamiro Carrilho, Severino Januário, Sivuca e Rosinha de Valença, César do Acordeon, Trio Melodia, Dominguinhos, Julião da viola, Fagner, Téo Azevedo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Carmélia Alves e Quinteto Violado. Com o sucesso retumbante de “Asa Branca” foi convidado a participar do filme “Esse mundo é um pandeiro” de Watson Macedo. Em 1948 lançou apenas um disco, cantando “A moda da mula preta” de Raul Torres e a polca “Firim firim firim”, parceria com Antonio Nogueira. No mesmo ano casou-se com Helena Cavalcanti. Em 1949 Gonzaga era o principal astro da música popular brasileira e lançou uma série de sucessos de sua parceria com Humberto Teixeira: a polca “Lorota boa”, que entrou na comédia musical “O mundo se diverte” da Atlântida; o xote “Mangaratiba”, que foi incluída na comédia musical “Estou aí”, da Cinédia; o baião “Juazeiro” e a toada “Légua tirana”, além de “Baião”, que finalmente recebeu gravação de seu autor. No mesmo ano lançou as primeiras parcerias com Zédantas, que tornaram-se sucesso rapidamente, como o baião “Vem morena” e o forró “Forró de Mané Vito”. Por essa época o baião tornou-se a coqueluche nacional, o novo ritmo do Brasil, e Gonzaga mudou seu visual, introduzindo o chapéu de couro que faria parte de sua indumentária até a morte. Em 1950 lançou de sua parceria com Zédantas o baião “A dança da moda”, que afirma que “No Rio está tudo mudado”, numa referência `as mudanças de comportamento introduzidas pelo baião. Inúmeros artistas, entre os quais Carmem Miranda, Carmélia Alves, Ivon Curi, Marlene, Isaura Garcia, Jamelão, Emilinha Borba, passaram a gravar músicas da dupla Gonzaga/Humberto Teixeira. No mesmo ano, estouram inúmeros outros sucessos da dupla, como os baiões “Xanduzinha”, “Qui nem jiló” e “Respeita Januário”, além da toada “Assum preto”. Ainda em 1950 foram sucessos na voz de Gonzaga o xote “Cintura fina” e a toada “A volta da Asa branca”, parcerias com Zédantas, além da toada “Boiadeiro” de Klécius Caldas e Armando Cavalcanti. Nessa mesma época Humberto Teixeira foi eleito deputado federal e a parceria se desfez. Getulista convicto, fez campanha para a presidência da República em apoio ao futuro presidente Getúlio Vargas. Em 1951 lançou com sucesso a marcha junina “Olha pro céu”, parceria com José Fernandes, e o baião “Sabiá”, parceria com Zédantas. Nessa época apresentava-se nas rádios Nacional e Mayrink Veiga. Ainda em 1951 a cantora Carmélia Alves, que ficaria conhecida como a Rainha do Baião, lançou juntamente com o sanfoneiro Sivuca um disco intitulado “No mundo do baião”, com um vasto pot-pourri de músicas de Luiz Gonzaga. No final desse mesmo ano foi contratado pelos Laboratórios Moura Brasil para uma grande excursão por diversas cidades do Brasil, apresentando-se entre outras em São Paulo, Florianópolis, Curitiba e Porto Alegre, terminando a tournê em Belém. Nesse mesmo ano sofreu o primeiro acidente automobilístico, em São Paulo, quebrando seis costelas e a clavícula, além de ter vários ferimentos na cabeça. No mesmo acidente feriram-se seus acompanhantes Zequinha e Catamilho. Em 1952 lançou vinte músicas, quantidade que na época do LP ou do CD daria para lançar um álbum duplo. Entre essas estavam as últimas parcerias com Humberto Teixeira, o baião “Respeita Januário”, a valsa toada “Légua tirana” e o baião “Paraíba”. De sua parceria com Zédantas gravou a marcha junina “São João na roça”, a toada “Acauã” e com Hervê Cordovil o baião “Baião da garoa” e o xaxado “Xaxado”, verdadeiro manifesto da nova dança lançada por Gonzaga dois anos antes. Todas se tornaram sucesso. No mesmo ano, apresentou-se durante os festejos juninos em uma temporada na Rádio Tupi-Tamoio acompanhado do pai Januário e dos irmãos Severino, Zé Januário, Chiquinha, Socorro e Aluísio, sob o nome de “Os sete Gonzaga”. Em 1953 lançou o xote “Xote das meninas” e a toada “Vozes da seca”, parceria com Zédantas, e “A vida do viajante”, parceria com Hervê Cordovil, que viria a ser, muito posteriormente, um dos prefixos da carreira do Rei do Baião, nos versos que dizem “Minha vida é andar por esse país”. Por essa época, trocou definitivamente o terno de casimira por um gibão de couro, o sapato de verniz por uma sandália e a gravata por uma cartucheira, adotando ainda um chapéu de couro maior afirmando sua nordestinidade. Em 1954, lançou, entre outras, os baiões “Vou pra casa” e “Noites brasileiras”, parcerias com Zédantas, o xamego “Cana só de Pernambuco” com Victor Simão e a polca “Lascando o cano” com Zédantas. Em 1955 lançou dez composições inéditas, entre as quais o xote “Riacho do navio”, parceria com Zédantas, e o rojão “Forró de Zé Tatu” de Jorge de Castro e Zé Ramos. No mesmo ano foi lançado o primeiro LP com suas músicas “A História do Nordeste na voz de Luiz Gonzaga”. Na excursão ao Nordeste naquele ano tomou conhecimento da existência de um grupo musical conhecido como a “Patrulha de Choque de Luiz Gonzaga”, composto pela cantora Marinês, seu marido, o sanfoneiro Abdias e Chiquinho da zabumba, especializada em anunciar a chegada de Luiz Gonzaga onde ele fosse se apresentar. O encontro entre eles se deu na cidade de Propriá em Sergipe. Em 1956, com a ida de Marinês e Abdias para o Rio de Janeiro, Gonzaga mudou o conjunto que o acompanhava, transformando-o em Luiz Gonzaga e Seus Cabras da Peste, do qual faziam parte Marinês, Abdias, Zito Borborema e Miudinho. O grupo chegou a participar de excursão a São Paulo e Minas Gerais, mas desfez-se no final do ano. No mesmo ano gravou o baião “Mané Zabé”, com Zédantas, o coco “Derramaro o gai”, com Zédantas, e o baião “Saudade da boa terra” de Ary Monteiro e Maruim, entre outras. Ainda em 1956 lançou seu segundo LP, “Aboios e vaquejadas”. Em 1957 gravou outro enorme sucesso, o baião “A feira de Caruaru” de Onildo Almeida, além do LP “No reino do baião”. Em 1958 lançou de sua autoria o forró “Forró no escuro”, outra de suas composições que ficou para a posteridade. No mesmo ano lançou os LPs “São João na roça”, com músicas juninas, e “Xamego”, com composições de sua parceria com Miguel Lima. Por essa época, ocorriam mudanças musicais no país, entre as quais a eclosão da Bossa Nova, dando início ao declínio da carreira de Gonzaga. Com novos gostos estético-musicais impondo-se no rádio, suas composições foram perdendo espaço e Gonzaga voltou-se para as platéias do interior para as quais sempre foi o Rei do Baião. Em 1959 lançou de João do Vale e Ari Monteiro o maracatu “O sertanejo do norte” e, de sua autoria e Carmelina, a marcha “Fogueira de São João”. No mesmo ano foi lançado o LP “Luiz Gonzaga canta seus sucessos com Zédantas”. Em 1960 gravou entre outras o xote “Vida de vaqueiro de sua autoria” e a toada “Testamento de caboclo” de R. Bittencour e R. Sampaio. Em 1961 Gonzaga não lançou, como fazia desde 1941, nenhum 78 rotações, mas em compensação a RCA Victor lançou seu primeiro LP, com músicas inéditas, a maioria de outros autores, como o baião “Capitão jagunço” de Paulo Dantas e Barbosa Lessa, o baião “Na cabana do rei” de Catulo de Paula e Jaime Florence e o xote “Só se rindo” de Alvarenga e Ranchinho. No mesmo ano Gonzaga sofreu um grave acidente automobilístico que quase pôs fim à sua vida. Seguia ele de Miguel Pereira para o Rio de Janeiro, quando numa curva a porta do carro cedeu e ele foi arremessado para fora, recebendo uma pancada da porta na cabeça e sofrendo traumatismo craniano e ferimento num olho. Ainda em 1961 morreu seu grande parceiro Zédantas. Pouco depois ele travou conhecimento com João Silva, que se tornaria o terceiro parceiro em importância na sua carreira. Em 1962 voltou a gravar discos em 78 rotações, incluindo, entre outras, o xote “Véio macho” de Rosil Cavalcanti, que daria nome a seu LP daquele ano. Os baiões “Pássaro Caraó” e “Sanfoneiro Zé Tatu”, de parceria com Zé Marcolino, foram incluídos também no LP. Por essa época foi contratado para uma temporada na Rádio Mayrink Veiga que duraria até o ano seguinte. Em 1963, além dos discos em 78 rotações, lançou o LP “Pisa no pilão”, que registrou alguns clássicos como “A morte do vaqueiro”, toada em parceria com Nelson Barbalho, e “Pra onde tu vai, baião?”, baião de João do Vale e Sebastião Rodrigues, quase um retrato da situação passada pelo Rei do Baião ao dizer em sua letra: “Pronde tu vai, baião? Eu vou sair por aí/Mas por que baião?/Ninguém me quer mais aqui.”. Por essa época, Gonzaga passa a apresentar-se em pequenas cidades do interior, cantando em circos e praças públicas. Se nas grandes cidades seu nome ficou em esquecimento, no interior manteve a força e o carisma. Certa vez, na cidade de Nanuque em Minas Gerais, ficou acertado que seu show seria apresentado no cinema às 21 horas, depois de um filme de Elvis Presley. Feita a divulgação da apresentação, foi tamanha a ocorrência de público que foi necessário realizar o show em duas sessõ
s. Em 1964 lançou outro LP que se tornaria clássico, com a toada “A triste partida”, de Patativa do Assaré, que deu nome ao disco, verdadeiro manifesto sertanejo. Do mesmo disco constam ainda a toada “Cacimba nova” e o xote “Numa sala de reboco”, ambos de parceria com José Marcolino, e a valsa “Lembrança da primavera”, composta por Gonzaguinha quando tinha apenas 14 anos. Sua carreira prossegue no interior e a cada ano lança um novo LP, com sucessos como “Meu Araripe”, parceria com João Silva, ou “Canaã” de Humberto Teixeira. No mesmo ano adquiriu um terreno em Exu, Pernambuco, preparando seu retorno para a terra natal. Por essa época, a caminho da Rádio Mayrink Veiga no Rio de Janeiro, teve roubada sua sanfona preta da marca Universal. Conseguiu emprestada de Antenógenes Silva uma sanfona branca. A partir de então passou a somente usar sanfona branca. Encomendou uma à fabrica Todeschini e mandou cunhar a inscrição “É do povo”, numa irônica homenagem ao ladrão, frase que acompanharia doravante todos os seus instrumentos. Até 1966 não gravou nenhum disco novo. Nesse mesmo ano, as edições Fortaleza lançaram o livro “O sanfoneiro do riacho da Brígida”, autobiografia que ele ditou a Sinval Sá. O sucesso do livro foi imediato, tendo sido feitas mais quatro edições no mesmo ano. O livro não saiu em livrarias, tendo sido vendido pelo próprio Gonzaga, com auxílio de seus músicos, durante seus shows. Para reforçar as finanças cada vez mais difíceis, atuou como músico de estúdio e fez campanhas políticas, o que já fizera em outras épocas da carreira. Em 1967 gravou o LP “Óia eu aqui de novo”, novo marco em sua carreira, trazendo composições de sua autoria, Onildo Almeida, José Clementino, Luiz Guimarães e João Silva, um novo time de compositores que irá atuar com ele nas próximas duas décadas, quando do retorno paulatino de sua carreira ao reconhecimento nas grandes cidades e na grande mídia. Do disco constavam, entre outras, “Xote dos cabeludos”, parceria com José Clementino, “Garota Todeschine”, parceria com João Silva, “Hora do adeus” de Onildo Almeida e Luiz Queiroga, “Do lado que relampea” de Luiz Guimarães e “Óia eu aqui de novo” de Antônio Barros. No mesmo ano fez histórico depoimento para o MIS, entrevistado pelo diretor da instituição, seu amigo R. C. Albin. Nesta ocasião apresentou publicamente seu filho Gonzaguinha, então totalmente desconhecido. Em 1968 lançou três LPs: “O sanfoneiro do povo de Deus”, com composições de cunho místico religioso, como “Ave Maria sertaneja” de Júlio Ricardo e de Oliveira e “Padroeira do Brasil” de sua autoria e Raimundo Granjeiro. Lançou ainda “Canaã”, com música-título de Humberto Teixeira, e “São João do Araripe”, com música-título de sua parceria com João Silva e que trazia quatro composições do seu filho Luiz Gonzaga Jr: “Diz que vai virar”, “Pobreza por pobreza”, “Erva rasteira” e “Festa”. No mesmo ano gravou um compacto com a composição “Pra não dizer que não falei das flores” de Geraldo Vandré. No mesmo ano, Gilberto Gil, um dos líderes do movimento intitulado Tropicália, em entrevista concedida a Augusto de Campos, dizia ter sido Luiz Gonzaga “a primeira grande coisa significativa do ponto de vista da cultura de massa no Brasil”. Outro líder do movimento, Caetano Veloso, também deixava clara sua admiração pelo cantor, compositor e sanfoneiro nordestino. Por essa época, o radialista e jornalista Carlos Imperial divulgou o boato de que o conjunto de rock inglês The Beatles gravaria “Asa branca” em seu novo disco, o que levou a uma correria em torno de Luiz Gonzaga, que em entrevista concedida ao “O Pasquim”, em 1971, revelaria que ganhou cachê e gravou programa para falar sobre o assunto. Apresentou-se no mesmo período na TV Continental no programa “Noite Impecável”. Em 1969 não gravou nenhum disco, mas teve a composição “Dezessete légua e meia”, de parceria com Humberto Teixeira, regravada por Gilberto Gil no LP “Cérebro eletrônico”. Em 1970 gravou o LP “Sertão 70”, que traz, entre outras, “Já vou mãe”, primeira parceria de Dominguinhos e Anastácia, que na ocasião trabalhavam com ele. Por essa época, colaborou com o Padre João Câncio na preparação da “Missa do vaqueiro”, inspirada na toada “A morte do Vaqueiro”. A missa, um pungente protesto contra a miséria e a opressão do homem nordestino, foi financiada por Gonzaga até 1974. Juntamente com os irmãos Bandeira, repentistas cearenses, animou a missa durante vários anos. Em 1971, Caetano Veloso, exilado em Londres, gravou em seu novo disco, com músicas em inglês, a toada “Asa branca”, única música em português, que se tornou uma espécie de hino dos exilados pelo regime militar. No mesmo ano, por idéia do produtor da RCA Rildo Hora, gravou o LP “O canto jovem de Luiz Gonzaga”, interpretando diversas composições de jovens compositores brasileiros da época, como “Chuculatera” de Antônio Carlos e Jocafi, “Procissão” de Gilberto Gil, “Cirandeiro” de Capinam e Edu Lobo, “Fica mal com Deus” de Geraldo Vandré, “O dia em que eu vim me embora” de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e outras. No mesmo ano, em show no Palais de La Mutualité em Paris, Gal Costa e Gilberto Gil incendiaram o público ao cantar uma versão de 45 minutos da toada “Acauã”, composta por Gonzaga e Zédantas nos idos de 1952. Ainda em 1971 concedeu longa entrevista ao jornal “O Pasquim” e recebeu da TV Tupi o título de “Imortal da Música Brasileira”. Na mesma época foi convidado por Carlos Imperial a assistir a um festival de rock na cidade de Guarapari, no Espírito Santo, e, como os artistas convidados não compareceram, acabou fazendo o show para a platéia composta de hippies e jovens politizados que dançaram ao som de sua sanfona. Em 1972 apresentou-se no show “Luiz Gonzaga volta para curtir”, com produção de Capinam, no Teatro Tereza Rachel no Rio de Janeiro. Na mesma época concedeu entrevista à vanguardista revista “O Bondinho”. Sua produção musical, entretanto, andava na contramão da popularidade que voltava a subir, pois tornava-se distante do que havia de autêntico em sua obra. Naquele ano ainda lançaria dois LPs pela RCA, “Aquilo bom” e “São João quente”, dos quais somente se sobressaiu um grande sucesso, “Ovo de codorna”, de Severino Ramos. Em 1973 transferiu-se para a gravadora Odeon onde lançou cinco LPs em dois anos, com muitas regravações e sem nenhuma música que tenha marcado a sua carreira. Recebeu no mesmo ano o título de “Cidadão Paulista”. No mesmo período a RCA lançou duas coletâneas de seus sucessos. Nessa época a decolagem de sua carreira parou em função do equivocado apoio que deu ao governo militar. Sua fama, entretanto, permaneceu e ele abriu durante dois anos o forró Asa Branca na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro. Em 1975 participou da série “MPB 100, um século de m.p.b”, transmitida em cadeia nacional pelo Projeto Minerva e apresentada, ao vivo, por R. C. Albin. Os programas foram convertidos em 8 LPs de igual título, produzidos pelo mesmo apresentador, que incluiu a participação de Gonzaga em todo um lado do elepê número 4 da série. No mesmo ano lançou outro LP com coletânea de sucessos, “Asa Branca”, pela RCA gravadora, para a qual retornou. Em 1976, Janduhy Filizola, com quem compusera algumas músicas, musicou totalmente a “Missa do Vaqueiro”, gravada no mesmo ano pelo Quinteto Violado. Durante excursão naquele ano recebeu o título de “Cidadão cearense”, num show em Fortaleza. Ainda naquele ano, numa viagem de avião de Pernambuco a Brasília conheceu Edelzuita, o grande amor da última fase de sua vida. Ainda em 1976 lançou o LP “Capim novo”, com música-título de sua autoria e Severino Ramos, que obteve boa repercussão, mostrando de volta o velho estilo que o consagrara. A música-título virou tema da novela Saramandaia, da TV Globo, e o levou de volta às paradas de sucesso. Em agosto daquele ano a mesma TV Globo exibiu o “Especial Luiz Gonzaga”, na série “Brasil especial”, dirigida por Augusto César Vannucci e escrita por R. C. Albin, entre outros, com a participação de toda a família, incluindo o velho Januário, que aos 85 anos viajou para o Rio de Janeiro. Em 1977 lançou o elepê “Luiz Gonzaga e Carmélia Alves”, mesmo nome de um show realizado pela dupla no Teatro João Caetano. No Rio de Janeiro, dentro do projeto Seis e Meia. Lançou também no mesmo ano o LP “Chá cutuba”, música-título de Humberto Teixeira, que também assinou “Menestrel do Sol”. O disco trouxe ainda a regravação de “Baião de dois”, parceria de Gonzaga e Teixeira e um de seus grandes sucessos. Realizou na mesma ocasião uma excursão com Carmélia Alves e Dominguinhos, além de ter reproduzido em mais de 80 emissoras de rádio a série “O eterno Gonzaga”, produzida pelo estúdio Free de São Paulo. No mesmo ano entrou para a versão brasileira da “Enciclopédia Britânica”, com foto em cores para ilustrar o parágrafo a seu respeito. Em 1978 lançou o LP “Dengo maior” trazendo, entre outras, “Alegria de pé de serra” de Dominguinhos e Anastácia, “Salmo dos aflitos”, com Humberto Teixeira, “Umbuzeiro da saudade” com João Silva, “Serrote agudo” com José Marcolino e “Viola de Penedo” de Luis Bandeira. Em 1979 lançou o LP “Eu e meu pai”, numa homenagem a Januário, que falecera um ano antes. O disco trouxe algumas regravações como “Súplica cearense”, de Gordurinha e Nelinho, “A vida do viajante”, em parceria com Hervê Cordovil, e a clássica “Respeita Januário”, com Humberto Teixeira. No mesmo ano gravou o instrumental “Quadrilhas e marchinhas” com um pot-pourri de 24 composições de seu repertório. Nesse período retornou para Exu e iniciou uma campanha em prol da preservação da ave conhecida como Asa Branca. Foi criado o Parque Asa Branca. Nesse período atuou ativamente para acabar com as brigas de família na região de Exu. Em 1980 foi o indicado do Nordeste para cantar para o Papa João Paulo II em sua visita ao Brasil. No início da década participou da temporada “Sabor Brasil”, ao lado de Clara Nunes, Altamiro Carrilho, Waldir Azevedo, João Nogueira e João Bosco. Em 1981 lançou o LP “A festa”, contando com a participação de Luiz Gonzaga Jr, Emilinha Borba, Dominguinhos e Milton Nascimento, com quem cantou “Luar do sertão”, de Catulo da Paixão Cearense. No mesmo ano chegou às lojas o álbum duplo “Vida do viajante”, gravado ao vivo durante a excursão pelo Brasil feita com o filho Gonzaguinha no ano anterior. Durante essa excursão, Gonzaga ganhou o apelido de Gonzagão, que muitos críticos acham inapropriado, a partir de uma faixa colocada em um show em São Paulo que dizia: “Gonzagão e Gonzaguinha, a maior dupla sertaneja do Brasil”. Entre 1979 e 1984 engajou-se na luta contra a seca que assolou o Nordeste brasileiro naquele período, gravando até composições que aludiam ao fato, como foi o caso de “Sequei os olhos”, feita em parceria com João Silva, gravada no disco “70 anos de sanfona e simpatia”. Neste disco, lançado em 1983 houve as participações especiais de Alceu Valença, na faixa “Plano piloto” de Carlos Fernando e Alceu Valença e Téo Azevedo na faixa “A peleja de Gonzagão e Teo Azevedo”, de autoria deste último. Nessa época recebeu convite da cantora Nazaré Pereira, radicada em Paris, que organizou um show para ele na casa de espetáculos “Bobino”. Em 1984 lançou o disco “Danado de bom”, com algumas regravações, contando com a participação de Elba Ramalho na faixa “Sanfoninha choradeira” dele e João Silva. Nesse ano recebeu o primeiro disco de ouro de sua carreira, pelo disco “Danado de bom”. No mesmo ano recebeu o Prêmio Shell da Música Popular Brasileira. Por essa época, a RCA redirecionou a produção dos discos de Gonzaga, retornando a uma concepção mais original de seu trabalho. O resultado foi que seus discos deram um salto de vendagem, passando dos 25.000 anuais para 200.000 a partir de então. Também naquele ano gravou seu primeiro disco com Fagner, com diversas músicas que foram sucesso em sua carreira, além de “Sangue nordestino”, uma parceria com João Silva. Também em 1984, gravou especial para a Rede Globo com as participações especiais de Fagner, Elba Ramalho, Sivuca, Osvaldinho do Acordeon, Dominguinhos e Gadalupe. No começo do show declarou: “Quero aproveitar essa oportunidade que a TV Globo me dá para dizer que termino hoje minha profissão, a minha carreira. Fiz isso de surpresa porque quis fugir daquele esquema de festa de despedida.” A despedida no entanto não se confirmaria pois continuou atuando quase até sua morte. Em 1985 foi lançado “Sanfoneiro macho”, com seis parcerias com João Silva, entre as quais “Forró do bom”, “A mulher do sanfoneiro” e “Deixa a tanga voar”. Esse disco contou com a participação especial de Dominguinhos, Gonzaguinha, Sivuca, Glorinha Gadelha, Gal Costa e Elba Ramalho e arrematou dois discos de ouro. Em 1986 participou na França do grande festival da música brasileira “Couleurs Brésil”, com apresentações de diversos artistas brasileiros durante cinco dias no Zenith, Olympia e na Grande Halle de La Villette. Gonzaga apresentou-se no show final na maior das três salas, a Grande Halle, juntamente com Fafá de Belém, Moraes Moreira, Armandinho Macedo e Alceu Valença. No mesmo ano gravou o disco “Forró de cabo a rabo” cujo lançamento ocorreu quando estava em Paris. Quando voltou, constatou que o disco havia estourado e era um grande sucesso, especialmente as composições feitas com João Silva, entre as quais a que deu título ao disco, “Rodovia asa branca”, “Viva meu Padim”, que contou com a participação de Benito de Paula, “Xote machucador” de João Silva e Dominguinhos e “Eu e meu fole” de Zé Marcolino, entre outras. O disco contou ainda com a participação do músico gaúcho Renato Borghetti na faixa “Forronerão-Jardim da saudade”, de Borghetti e L. Rodrigues. O disco recebeu dois discos de ouro e um disco de platina. Em 1987 lançou “Fia pavi”, disco que o reaproximou do parceiro João Silva com quem havia brigado. Nele aparecem quatro composições dos dois, entre as quais “Pobre do sanfoneiro” e “Nem se despediu de mim”. Havia ainda “Mariana” de Gonzaguinha e Gonzagão, com participação de Gonzaguinha. No mesmo ano começou a gravar um novo disco com Fagner, contando com a participação de Gonzaguinha. Em fins do mesmo ano sua saúde piorou com a descoberta de que tinha câncer de próstata e sofria de osteosporose. Ele mesmo não ficou sabendo. No entanto, continuou animadamente a desenvolver planos para instalar seu museu pessoal em Exu. Em 1988 chegou nas lojas o disco “Gonzagão e Fagner”, com o selo BMG, trazendo diversos sucessos de Gonzaga, entre os quais “ABC do sertão” e “Vem morena”, com Zédantas, “Estrada de Canindé” e “Juazeiro”, com Humberto Teixeira, “Pobre do sanfoneiro”, com João Silva, e “Xamego”, com Miguel Lima, num verdadeiro apanhado da obra do sanfoneiro. No mesmo ano realizou show com Elba Ramalho. Ainda em 1988 a BMG lançou o LP “Aí tem Gonzagão”, contando com a participação de Carmélia Alves na faixa “Vamos juntar os troços” de Antônio Barros Silva e de Geraldo Azevedo em “Taqui pra tu” de Gonzaga e João Silva. Foi lançada também a colecão “50 Anos de chão”, caixa com cinco LPs compilando o essencial de sua obra. Nessa época separou-se finalmente da mulher Helena e foi morar com Edeuzuita em Recife. Em 1989 lançou pela Copacabana seu último disco, “Vou te matar de cheiro”, que não teve grande repercussão e que trazia diversas composições da parceria com João Silva, como a faixa-título “Já era tempo” e “Meu arcoverde”, que conta com a participação do próprio Silva na gravação. Em 6 de junho daquele ano participou de seu último show, uma homenagem que artistas de todo o Brasil lhe prestaram no Teatro Guararapes em Recife. Estava com a agenda de São João repleta quando, em 21 de junho, foi internado no Hospital Santa Joana no Recife, vindo a falecer no dia 2 de agosto daquele ano. Quando do transporte de seu corpo até o aeroporto, de onde seguiria para o sepultamento no Ceará, ao passar pelas ruas do Recife, a multidão que se aglomerava nas ruas gritava “Hei, hei, Luiz é nosso Rei”. Ao chegar a Juazeiro do Norte no Ceará para ser abençoado no Memorial de Padim Ciço, o corpo de Luiz Gonzaga recebeu homenagens dignas de um rei. Milhares de pessoas se aglomeraram nas ruas e o cortejo fúnebre teve de percorrer diversas ruas e avenidas para que o povo se despedisse de Gonzaga. Depois seguiu para Exu onde ocorreu o sepultamento. Em sua cidade natal foi novamente reverenciado pelo povo nas ruas, acompanhando o féretro.

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